terça-feira, 24 de abril de 2018

Aquilo

Trecho 2.

Levanta, sacode a poeira, está na rádio tocando, é de manhã, faz frio de junho no corredor que liga a sala à cozinha, café vem quente numa caneca de cerâmica, o afeto vem dilacerado num peito morno. Era a cena repetida de um filme qualquer, ela na areia, ele de costas rumo ao mar, o abandono  no sonho, o abandono de novo. O café esfriava o peito não. Aquilo de novo, o mesmo engasgo, a mesma sensação, o descarte e o uso, mal ou bom, o uso, como se coisa fosse, como se coisa falasse, como se coisa cantasse. Não era coisa. Demorou em entender isso, todos acharam que era coisa, ele também, mais um, meramente um. Da porta pra rua, o peito esfriou, gelou, quase secou. Todos eram mais um, menos um. O peito quente, o café quente, aquilo seco desatravessa a garganta e ganha o ar, porta afora nunca mais voltar.