segunda-feira, 7 de outubro de 2019

Na poeira dos dias

Em algum canto desse mundão:

- Nossa a semente é uma coisa muito louca né, é um trocinho desse tamaninho e de repente vira uma baita árvore, por que isso acontece?
- Porque a vida quer viver querido.
- Humm, verdade, e as vezes como a semente ela fica escondida na poeira e não brota né?
- ...... (Não consegui responder nada com dignidade)

     Tem diálogos que mexem com a gente, geralmente os mais despretensiosos e ao acaso como o transcrito no inicio desse texto, eu particularmente sempre fico mexida com essas coisas que acontecem ao acaso, se é que o tal do acaso existe como insistem as mutações genéticas.
Não precisa de muito para me perturbar, acho que tenho tendências paranoicas, conspiracionistas banhadas de ansiedade e aquela queda por uma boa fofoca ou ideia, embora pareçam coisas diferentes eu gosto de colocar a fofoca e a ideia na mesma prateleira do mercado.

    Deixei por alguns instantes de lado minhas divagações sobre a potência gigante que é uma semente, eu acho um assombro...você olha aquele troço pequeno e se colocar na terra vira uma sequóia de não sei quantos mil metros que vai durar mais do que eu e você juntos meu amor. Um assombro. É a vida querendo viver como disse ao querido e ele me trucou com uma crise existencial razoável, a vida que como a semente ou outras coisas pequenas fica perdida e muitas vezes esquecida na poeira desse mundão véio sem porteira e redondo, insisto senhoras e senhores ele é redondo, parem com essa obsessão medieval por ângulos retos e geometria plana.


      Quantas vezes eu deixei a vida, essa danada, se camuflar na poeira das coisas? Logo eu que tenho tão pouco apreço pelas tarefas domésticas...

   Mas como saber quando a gente faz essa cagada monstra? Sem entrar em grandes questões metafísicas sobre o que é a vida e blá blá blá, eu me refiro a aquilo que faz a vida valer a pena pra gente, aquilo que faz os olhos brilhar, o coração se arrefecer de conforto gostosinho ou de prazer delicioso, aquilo que trafega entre a paz e o contentamento, o que colocaríamos na nossa lápide: "Aqui jaz uma criatura que viveu bem pra caralho porque viveu isso, isso e aquele outro."


    O que é isso, isso e aquelo outro? O borogodó da vida. É isso, como saber quando eu deixei o borogodó da vida sumir no meio da poeira cotidiana, no meio das burocracias letárgicas e necessárias (?), no meio do caos que se instalou e anestesiou alguns sentidos? Será que a gente sabe?

    Eu não sei. Quero dizer, não sei se a gente sabe se é que você sabe o que eu estou falando. Mas como diria Guimarães Rosa eu desconfio, desconfio de muita coisa, desconfio que quando as coisas tomam esse rumo dá uma espécie de aperto esquisito na alma da gente, como se alguma coisa estivesse errada,  desconfio que a gente pare de cantar no chuveiro, sim eu canto, de dançar quando toca pagode anos 90, de rir das coisas bobas e das sérias. Desconfio que falte um glitter no olhar e desconfio veja só, desconfiança das brabas, que a gente pare de olhar o céu e se encantar com ele.