domingo, 9 de setembro de 2018

Climão

Entrou no velório pulando a janela
Xingou o defunto, apagou a vela
Cantou a viúva mulher de favela
Deu um beijo nela
(Zeca Pagodinho - Penetra)

Climão; Expressão usada para se referir a uma situação tensa, geralmente envolvendo algum tipo de vergonha alheia, isso segundo os dicionários da vida, segundo Dona Raimunda, minha companheira de hidroginástica e que tem um maiô mais cavado que as minas de serra Pelada, o climão é aquela torta que a gente serve nos almoços de família aos domingos.


Evento esse aliás o grande palco para climões de toda ordem, é de fato aquela torta fria e indigesta que alguém de repente serve e que todo mundo é obrigado a comer pelo menos um pedaço daquele trem. é o cunhado que dá fora, os pais que relembram fatos constrangedores da adolescência de seus filhotes, a vó que libera segredos guardados para o além túmulo, alguém que não come determinada comida, enfim, você que tem família sabe como é, não importa o tamanho, ali sempre vai ter espaço pra um bom climão.


Mas o que é um bom climão? Onde vive? O quê come? 


Eu diria que é uma atmosfera sufocante, e que pode muitas vezes tender ao hilário, na qual as pessoas se afogam bruscamente sem nem entender direito o que está acontecendo. è aquela vergonha alheia, aquela palavra mal colocada, aquele olhar estranho, o silêncio quando você fala uma merda qualquer, e que você só percebe quando sente o climão. Acontece muito em tempos de redes sociais, o climão via internet, aquele aúdio que você tá lá falando mal do chefe e manda sem querer pro grupo oficial da firma, ou então está contando o último babado do cunhado e manda no grupo da família em vez de mandar pro seu primo. O climão rompe barreiras, se a espécie humana tivesse ganho o espaço sideral nós teríamos o climão intergaláctico.


O climão é o brega e inconfessável de todos nós ganhando um espaço que não era para ganhar, ele sai do âmago do nosso baú de vergonhas e se coloca ali sociável tomando café com os vizinhos, e a sua cara cai, você quer se enfiar embaixo da terra, tenta fingir demência, mas nada, nada resolve melhor um climão do que o tempo, o melhor dos bálsamos já dizia minha avó. 


O tempo transforma o climão no que ele em essência é; uma piada mal formulada, onde a lembrança traz o riso e aquela pontinha de vergonha pra ver se a gente aprende alguma coisa.



terça-feira, 24 de abril de 2018

Aquilo

Trecho 2.

Levanta, sacode a poeira, está na rádio tocando, é de manhã, faz frio de junho no corredor que liga a sala à cozinha, café vem quente numa caneca de cerâmica, o afeto vem dilacerado num peito morno. Era a cena repetida de um filme qualquer, ela na areia, ele de costas rumo ao mar, o abandono  no sonho, o abandono de novo. O café esfriava o peito não. Aquilo de novo, o mesmo engasgo, a mesma sensação, o descarte e o uso, mal ou bom, o uso, como se coisa fosse, como se coisa falasse, como se coisa cantasse. Não era coisa. Demorou em entender isso, todos acharam que era coisa, ele também, mais um, meramente um. Da porta pra rua, o peito esfriou, gelou, quase secou. Todos eram mais um, menos um. O peito quente, o café quente, aquilo seco desatravessa a garganta e ganha o ar, porta afora nunca mais voltar.

segunda-feira, 26 de março de 2018

O danone grego

Sempre fui uma apaixonada pela mitologia grega, isso não quer dizer necessariamente que eu manje horrores do assunto, pelo contrário, quanto mais leio sobre mais percebo a minha ignorância diante de tão vasto assunto. Mas que eu gosto, ah eu gosto...

Talvez todos os mitos gregos me remetam a algo ancestral, algo que toca o inconsciente e que me fascina ao explicar condições humanas de forma tão peculiar e de certa forma mágica, afinal é para isso que uma mitologia serve, explicar o mundo e nossa reles condição de forma por vezes grandiosa e exagerada. Exagero, talvez seja esse um temperinho mágico, tragédias incríveis acontecem, romances proibidos a la Perséfone e Hades, Apolo e as ninfas, ou coisas tão surreais quanto a mais bela das deusas ter nascido do saco de Urano que foi arremessado ao mar, coisa de louco.

Resultado de imagem para nascimento da venus botticelli

Quando estava na escola lembro-me de ter que ler e reler diversas lendas pertencentes a mitologia grega, tinha uma professora de história apaixonada por tudo que era grego, inclusive o marido dela era neto de gregos, taí alguém que levou o trem a sério. Certa feita ela comprou vários livros sobre o assunto destinados ao público juvenil e distribuiu entre os alunos para que lessem apresentassem um resumo e trocassem os mesmos. Eu era a única criatura que gostou dessa ideia, li todos, e a partir daí devo ter criado todo um imaginário de romances e ideias de beleza.

Sim, me amarrei nos gregos, queria eu quando crescesse não visitar a Grécia, o que faria de bom grado, mas queria ser grega, também ter um marido grego, filhos greguinhos com aquele nariz escândalo, enfim virei a louca do grego. Quando adolescente não melhorou, ainda mais porque daí conheci Dionísio, o simpático Deus do vinho, como não gostar dum cara desses? Celebrado em peças teatrais do grupo Oficina, celebrado em todas as reuniões animadas que se prezem, continuei fã dos caras.

E agora adulta me deparo com outra paixão: o danone grego, puxa o negócio é bom demais, claro que é....tem grego no nome, cremoso e gostoso. Além de terem sido o berço da civilização ocidental, mais em seus acertos do que nas coisas que deram errado, os gregos e sua mitologia deixaram gostos estéticos intruncados na minha pessoa, o bom disso tudo é que até um grego pra chamar de meu eu descolei.


domingo, 25 de março de 2018

Era ele, era eu, era o bacon.

"A gente não quer só comida, a gente quer comer e quer fazer amor." - Titãs

Num fim de semana qualquer.
Estávamos sentados, a mesa era branca dessas de plástico, aguardávamos a refeição da noite, já era tarde para quem gosta de comer em horários bons para digestão, mas você sabe, eu sei, a fome é eterna.

Nosso gosto pelo cotidiano nos levou a prestar atenção na conversa ao lado, homens fanfarrões contavam fanfarronices, lorotas, defendiam algo ou alguém, as bicicletas passavam velozes na rua, era um evento esportivo e a comida esperada era algo de fato muito nutritivo:

- Dois x-bacon prontos.
- Pega lá amor;
- Opa.

O lanche veio, grande e farto, e com bacons lindos, lindos. Bacon é uma das coisas mais gostosas do planeta, definitivamente é um dos grandes motivos do não vegetarianismo mundial. Abri o lanche, comi somente um pedaço de bacon, Deus existe, como o lanche era grande retirei um belo naco daquele elixir dos deuses e separei para depois.

- Olha só, o que é isso aqui?
- Opa, esse é meu pedaço de bacon que separei para depois.
- Ahhhhh.

Olhei a cara do meu companheiro, olhei o bacon, olhei meu coração e num momento de muita lucidez disse:

- Pode pegar pra você, é a maior prova de amor que posso lhe dar.

Ele riu, negou o bacon, era a maior prova de amor que ele podia me dar naquele momento. Sim, os ogros também amam.

domingo, 14 de janeiro de 2018

Embalando a faxina

Lava roupa todo dia, que agonia.

Estou de férias, graças ao universo. Na primeira semana praticamente hibernei no meu sofá, somente para lembrar que é possível fazer isso sem culpa. Na segunda semana me locomovi mais, vi pessoas, passeei com o boy. Agora já refeita posso me dispor a fazer calmamente mais uma das coisas que ficou em 2017: terminar a faxina do ano.

O faxinão como também é conhecido, é muito feito nessas ocasiões de fim de ciclo, fim de ano, fim de qualquer merda e sujeiras em geral. Você limpa, tira umas coisas que não sabe porque raios está na sua morada, rearranja os móveis e sente-se plenamente adulto. Não, eu não sou uma grande fã da faxina, isso tampouco quer dizer que eu seja uma pessoa de hábitos pouco higiênicos, sou limpinha, juro.


A questão é que sempre acho que existe algo mais empolgante no mundo para ser feito do que a dita cuja. O sol brilhando, a chuva para assistir um filme, tantas comidas para provar, roteiros de viagem para pensar, amigos para ver, a lista é infindável. Mas você sabe, eu sei, não é possível escapar da faxina, se você mora sozinho então nem pensar...um ambiente razoavelmente arrumado e limpo ajuda seus caos interior.

Talvez seja essa minha grande motivação, quando dou aquela geral na casa sinto como se estivesse fazendo o mesmo internamente, jogando as tralhas fora, dando uma lustrada no coração, reorganizando a mente. Minha mãe é uma dessas entusiastas da limpeza doméstica, ou da grande limpeza como ela chamava os dois dias, eu disse dois dias pessoal, de faxina semanal, sim...semanal, ela era dessas. Nesses dois dias a vida era um inferno, nada de brincar na rua, de assistir televisão, jogar vídeo game então nem pensar, até as leituras de gibi eram suspensas, ela te coagia a ajudar. Por vezes chantageava a mim e meus irmãos com coisas gostosas de comer, mas no geral era a pura pressão matriarcal, e havaianas claro.


Tudo que é obrigação fica chato e eu particularmente acho um porre fazer, eu e metade da humanidade imagino, daí talvez venha a pouca afeição desenvolvida por uma boa faxina. Ah mas depois fica tudo uma belezinha né? Deu um trabalho da foice, você relutou mas depois....aquela vitória interna de quem resistiu as tentações do mundo lá fora e se debruçou sobre a vassoura, os panos, as águas sanitárias e poeira. Sim, mais uma vitória para o currículo. 

E essa vitória nunca é alcançada sem uma boa trilha sonora, acho fundamental uma boa trilha para ter inspiração para tal empreitada. Tem que goste de um tudo nesse momento fatídico, eu particularmente prefiro coisas animadas para me tirar da depressão de mais uma limpezona de horas, um pagode anos 90, o muso Magal, enquanto limpo Bethania a diva mor fica repousando tranquilamente no set  que nunca vai rodar para a ocasião. Segue uma dica de trilha, pegue sua vassoura e não voe hoje, apenas diga onde você vai e vá varrendo. Abraços domésticos.


sábado, 13 de janeiro de 2018

Trovoa

Quando o lirismo é sólido como concreto.

Certa feita o fabuloso e eterno Ferreira Gullar disse que a arte existe porque a vida não basta, ou algo assim agora não me recordo com exatidão. Acertou, brilhou, concordo plenamente. E nesse grande panteão que chamamos de arte seleciono um excerto seu: a música. Sim, já escrevi sobre como a música é mara em nossas vidas, parafraseando a diva mor Bethânia: Música e perfume.

Mas toda essa conversa meio mole meio dura é para dizer que a vida de fato não basta, ela é imensa em sua imensidão mas o nosso aparato para descrever toda essa plenitude e furacão que é viver as vezes carece de repertório emocional e racional. Aí, meus amados e amadas e amadxs é que muitas vezes entra a música.

Existem sentimentos que são exorcizados ou relembrados dependendo da música, pode ser um João e Maria, pode ser um Baile de Ilusão, pode ser uma saudosa lambada dos anos 80 onde você que tem mais de trinta com certeza bailou loucamente, enfim, pode ser tudo e nada. E pode ser o indizível, aquilo que atravessa sua garganta mas não sai, aquilo que mora nesse peitinho surrado e você não tem palavras para contar esse causo todo aí dentro.

Minha cabeça trovoa.

Com essa frase eu me reconheci e reconheci ao outro como nunca pude. Me faltava essa frase, minha cabeça trovoa, resumiu para caraleo todo uma gama de sentimentos e de histórias, algumas bem, outras mal sucedidas, fazer o quê né. Batendo suas unhas num copo de cerveja, eu fumo um malrboro como qualquer um, me atirar nos seus peitos, explode a garrafa térmica, fique....frases que soltas numa canção dos diabos de tão boa, ou melhor...dos deuses.

Minha cabeça trovoa.

E como trovoa até hoje, um trovejar sem fim, a multiplicidade de medos e desejos, ouvi essa canção ao vivo e como é potente, como é linda, como é humana, na sua aura bôemia e na singeleza de sua sinceridade. Grande Maurício Pereira. Minha cabeça trovoa.


OBS: Era pra ser antes do fim do ano, mas antes tarde do que nunca né mesmo.