sexta-feira, 20 de maio de 2022

Roda da Fortuna

 "Roda mundo, roda gigante, roda moinho, roda pião, o mundo rodou num instante na roda do meu coração" - Chico, muso, Buarque.

Quem tece os fios do destino? As moiras como diziam os gregos, as fiandeiras do universo, você mesmo? Sua família ou o que acontece com você? Será que o destino existe sob a figura de um senhor de barbas ruivas e humor duvidoso, ou será uma invenção delirante para justificar as cagadas humanas?

Não sei.

E imagino que a menos que você seja um religioso radical você também não saiba.

E isso nesse momento nos coloca muito próximos, a nossa ignorância, seria o destino que desejava esse momento? Ou seria apenas uma sincronicidade explicada por uma análise junguiana bem acurada?

Não sei.


E devo confessar que de certa forma eu vivo como na música da Sandy: um misto de prazer e agonia. Prazer por saber que a vida se mantém num lugar desconhecido e por isso não passível de julgamentos ou de preparações para determinados momentos, ela segue espontânea e imprevisível, posso alegar minha ignorância como salvo conduto para muita coisa, posso me maravilhar na surpresa cotidiana e na provocada. Ela segue uma caixinha de surpresas como diriam os comentaristas esportivos narrando os jogos do Brasileirão.

Agonia porque eu adoro uma fofoca, adoro um spoiler, saber do que virá me dá a falsa, eu sei, sensação de controle mínimo da situação, eu antecipo meus passos, antecipo a resposta, aquele discurso ensaiado tantas vezes no banho entre espuma no olho e raiva no coração será usado porque eu sei que vai chegar esse momento, eu estive no futuro e eu vi. 

E por isso eu gosto de caminhar no meio da tábua, eu gosto de ver os signos, símbolos e significados que a humanidade e a natureza deixam escapar sobre o futuro, o passado e o agora, tudo isso e toda essa reflexão veio do meu café da manhã. Arrumando minhas coisas, meus livros e tomando café ao mesmo tempo, que o sagitariano é esse inferno, caiu de dentro de um deles uma carta de tarô: A Roda da Fortuna. A carta magna do destino, daquilo que não se decifra, essa Esfinge esfregada na sua cara afirmando que você não sabe de nada inocente, nada, nadica, nadinha de nada como diz meu filho.

E eu não sei mesmo, mas que eu queria....ah eu queria, você não?



quinta-feira, 7 de abril de 2022

Jovem Senhora

 "O tempo é como um homem bonito, apenas uma grande ilusão." - Minha vó Cida

Quarta feira, 13h30 da tarde, o céu está ensolarado. A guerra na Ucrânia continua, a Pandemia continua, o desgoverno continua, os cachorros continuam latindo antes de eu me levantar as 05h30, e foi nesse movimento de continuidade que minhas costas continuavam se comportando como uma tábua de madeira boa me levando ao seguinte diálogo no telefone:

- Alô?

- Alô.

- Boa tarde.

- Boa tarde, tudo bem? É da Leila Massagem?

- SIM!

- Maravilha, estou tentando faz tempo falar aí mas é meio difícil né?

- Telefone fixo, quase ninguém usa mais, mas eu prefiro assim, não quero parar minha vida por causa de um telefone.

- Tá certo, tá certo. Eu gostaria de marcar uma massagem.

- Pode ser com a Sheila?

- Mas ela é tão boa quanto a Leila?

- Quantos anos você tem?

- Quarenta.

- Ah então a Sheila é melhor, ela também é fisioterapeuta, na sua idade é bom ter esse acompanhamento.

Silêncio

- Alô moça?

- Oe, desculpa estava refletindo sobre minha condição etária atual, pode marcar por favor.

- Sábado as 09h tudo bem?

- Quanto tempo demora?

- Depende, se a pessoa estiver mais ou menos pelo menos uma hora, se estiver ruim umas duas, como a senhora está?

- Ah eu vou levar uma marmita, capaz de passar o dia aí.


Duas coisas interessantes podemos tirar desse breve diálogo quase existencialista de uma singela tarde no meio da semana: as coisas que acontecem enquanto esqueço que envelheço e o uso do telefone fixo. 

É muito louco não é? Eu consigo me recordar dos números de telefone da casa da minha família lá na minha saudosa Pirituba, dos números telefônicos das casas das minhas amigas de infância e adolescência mas sou completamente incapaz de escrever aqui de bate e pronto o número do meu boy. O número do telefone celular claro. Não se trata aqui de um comentário nostálgico de tempos atrás e nem de demonizar a atual tecnologia, mesmo porque se eu fosse ser nostálgica eu já iria pra ficha de telefone, as filas que se faziam no orelhão na esquina de casa a noite, aquele falatório coletivo, a central das fofocas do bairro, afinal todo mundo ouvia a conversa de todo mundo incluindo quem nem ia telefonar para alguém.


Das fichas da telesp, do DDD mais barato na madruga boladona, passando pelo fax, pela internet discada, chegamos ao smartphone, esse apogeu da comunicação contemporânea, comunicação incessante, quase infalível, sempre alerta, sempre cheia de sempre e por isso sempre abocanhando muito do nosso precioso e irrecuperável tempo.

Leila sacou isso, pegou esse movimento e não quis ir nessa barca, só tem o telefone fixo, aquele que os maias utilizavam junto com dinheiro em papel. Leila ligeira, ninguém acha essa mulher Brasil, nem eu que apenas num golpe de sorte consegui ouvir sua preciosa voz. Leila tinha a voz tranquila, invejei Leila por alguns instantes, eu que tenho quinze grupos no whatsapp das escolas onde trabalho, eu que estou com o tempo precioso me pesando nas costas, estresse disse minha médica, Leila sua danada, que sorte a sua.

Enquanto eu envelheço e me torno finalmente a jovem senhora que vejo no espelho todas as manhãs, a Leila só pode ser encontrada a hora que ela quiser, isso deve valer por uns trezentos botox. Você precisa relaxar diz minha médica, suas dores são de tensão, tensos anos bordaram minhas dores nas costas, como um desenho enigmático que tento decifrar, mas por hora eu só me recordo do número da casa onde morava: 3882-8412.