quarta-feira, 18 de maio de 2016

Paulo Mendes Campos

Porque acabou?
Tinha que ser uai...entre motivos variados o lógico: o amor acaba. Em detalhes, em desgastes, em brigas e em ausências. Em choros não compartilhados, mansamente, duramente....mas ele as vezes acaba.
A esta indagação de tantos corações partidos pelo fim, o grande Paulo Mendes Campos tira os véus desse mistério, acalenta e está tudo bem, outro amor começa, outro amor chega e assim o barco da vida segue seu rumo.

O amor acaba. Numa esquina, por exemplo, num domingo de lua nova, depois de teatro e silêncio; acaba em cafés engordurados, diferentes dos parques de ouro onde começou a pulsar; de repente, ao meio do cigarro que ele atira de raiva contra um automóvel ou que ela esmaga no cinzeiro repleto, polvilhando de cinzas o escarlate das unhas; na acidez da aurora tropical, depois duma noite votada à alegria póstuma, que não veio; e acaba o amor no desenlace das mãos no cinema, como tentáculos saciados, e elas se movimentam no escuro como dois polvos de solidão; como se as mãos soubessem antes que o amor tinha acabado; na insônia dos braços luminosos do relógio; e acaba o amor nas sorveterias diante do colorido iceberg, entre frisos de alumínio e espelhos monótonos; e no olhar do cavaleiro errante que passou pela pensão; às vezes acaba o amor nos braços torturados de Jesus, filho crucificado de todas as mulheres; mecanicamente, no elevador, como se lhe faltasse energia; no andar diferente da irmã dentro de casa o amor pode acabar; na epifania da pretensão ridícula dos bigodes; nas ligas, nas cintas, nos brincos e nas silabadas femininas; quando a alma se habitua às províncias empoeiradas da Ásia, onde o amor pode ser outra coisa, o amor pode acabar; na compulsão da simplicidade simplesmente; no sábado, depois de três goles mornos de gim à beira da piscina; no filho tantas vezes semeado, às vezes vingado por alguns dias, mas que não floresceu, abrindo parágrafos de ódio inexplicável entre o pólen e o gineceu de duas flores; em apartamentos refrigerados, atapetados, aturdidos de delicadezas, onde há mais encanto que desejo; e o amor acaba na poeira que vertem os crepúsculos, caindo imperceptível no beijo de ir e vir; em salas esmaltadas com sangue, suor e desespero; nos roteiros do tédio para o tédio, na barca, no trem, no ônibus, ida e volta de nada para nada; em cavernas de sala e quarto conjugados o amor se eriça e acaba; no inferno o amor não começa; na usura o amor se dissolve; em Brasília o amor pode virar pó; no Rio, frivolidade; em Belo Horizonte, remorso; em São Paulo, dinheiro; uma carta que chegou depois, o amor acaba; uma carta que chegou antes, e o amor acaba; na descontrolada fantasia da libido; às vezes acaba na mesma música que começou, com o mesmo drinque, diante dos mesmos cisnes; e muitas vezes acaba em ouro e diamante, dispersado entre astros; e acaba nas encruzilhadas de Paris, Londres, Nova Iorque; no coração que se dilata e quebra, e o médico sentencia imprestável para o amor; e acaba no longo périplo, tocando em todos os portos, até se desfazer em mares gelados; e acaba depois que se viu a bruma que veste o mundo; na janela que se abre, na janela que se fecha; às vezes não acaba e é simplesmente esquecido como um espelho de bolsa, que continua reverberando sem razão até que alguém, humilde, o carregue consigo; às vezes o amor acaba como se fora melhor nunca ter existido; mas pode acabar com doçura e esperança; uma palavra, muda ou articulada, e acaba o amor; na verdade; o álcool; de manhã, de tarde, de noite; na floração excessiva da primavera; no abuso do verão; na dissonância do outono; no conforto do inverno; em todos os lugares o amor acaba; a qualquer hora o amor acaba; por qualquer motivo o amor acaba; para recomeçar em todos os lugares e a qualquer minuto o amor acaba."

domingo, 1 de maio de 2016

Vendavais e os mistérios do destino

"Da bruma leve das paixões que vem de dentro tu vem chegando pra brincar no meu quintal." Alceu Valença.

Vendaval, você já viu um desses, aquela ventania sem fim que anuncia o começo ou o fim de uma grande chuva ou tempestade. O vento levando folhas, sentimentos, papéis caídos no chão, poeira levantando e os seus cabelos tampando sua visão. Dessa forma você tão somente sente aquele frescor, o coração a se perguntar que raios é isso? Lembra da roupa no varal, da janela aberta que esqueceu saindo apressadamente, de comprar um guarda chuva para ter com que se proteger nesses casos.

Proteção, como se um reles guarda chuva pudesse te proteger no meio do vendaval, no meio daquela aguaceira que ameaça cair e que por vezes cai no vão dos olhos, entre conversas e desatinos, entre nuvens cinzentas e o chão de terra que você pisa. Chão esse que parece não estar mais abaixo dos seus pézinhos sujos, é como se levitasse acima de qualquer coisa passada, acima do por vir que se desconhece.



Daí você corre, como qualquer mortal, afim de se se resguardar, de não se molhar e correr o risco de adoecer, intempéries ocasionadas pela idade, e sofrer. Corre, busca abrigo, tenta entender de onde vem aquilo tudo, mas é tão bom o vento, ele acalma dores e relembra a sensação de estar vivo. Uma sensação clara que o coração te aponta em cada batida, em cada respiro mais fundo, em cada perfume adocicado daquele chão.

Debaixo daquela laje mais generosa encontrada no meio da rua o pensamento vagueia, você sabia que iria chover, de algum modo bizarro e sem confirmações no bendito Climatempo, mas você sabia que esse vendaval chegaria e a chuva cairia sobre sua cabeça. Se lembra da moça da loja de bolos que havia lhe assinalado com a possibilidade de chuva num futuro distante, das sensações que já havia sentido ao sentir o cheiro adocicado, da velha senhora que lhe havia afirmado que o destino é certo, pode ser adiado é verdade, mas certo é, você encontraria esse vendaval em certo tempo quando estivesse distraído e sem guarda chuva, querendo apenas passear pelas ruas e pessoas.

E o vendaval vem urgente, como se estivesse atrasado, como se quisesse despejar sobre a terra toda a chuva prometida, como num grande encontro, um misterioso encontro entre o vento e as águas, entre o medo e a felicidade, entre a certeza e a ilusória negação, sim está ventando, sim, está chovendo e o que quero é dançar em meio a bela tempestade que se anuncia.